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Como diferenciar um bom estudo científico de um ruim e parar de ser enganado

06:00Denny Baptista


Há pouco mais de uma semana a imprensa vem bombardeando em todas as redes sociais a opinião de uma professora de Harvard acerca do óleo de coco que, segundo ela "é um dos piores alimentos que você pode comer", categorizando-o inclusive como "veneno puro". Ela afirma existirem estudos científicos que comprovam isso. Mas você sabe que existe mais de um tipo de estudos científicos? E você sabe quais são realmente bons e quais não são capazes de responder a perguntas?

Não vamos discutir o óleo de coco hoje, mas...

Não pretendo adentrar muito profundamente no tema do óleo de coco, mas para quem quer ter alguma base científica de verdade, recomendo alguns posts do Dr José Carlos Souto, que costuma escrever artigos com base científica forte (ele cita e referencia estudos científicos numa linguagem bastante acessível), como um em que mostra a desinformação dos profissionais de nutrição no que diz respeito ao óleo de coco, e outro que faz uma análise do posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia sobre o assunto.

O interesse pelas evidências científicas

Como toda gordinha que se preze, sempre gostei muito de nutrição - apesar de a aplicação disso em minha vida ser um fracasso total na maior parte do tempo. Porém eu sempre gostei de ir além, pois sou extremamente curiosa, e fiquei muito feliz nos últimos anos ao perceber que informações que antes eram restritas às universidades e profissionais da área de saúde passaram a ser mais acessíveis à população. Na verdade há tanta informação boa dando sopa que se uma pessoa "comum" com muita vontade de aprender se empenhar de verdade, pode conseguir um nível de conhecimento superior a alguns profissionais da área. Não que eu seja dessas, deixo claro.

Porém quanto mais eu queria aprender sobre como perder peso e melhorar minha saúde, mais informações desencontradas eu encontrava. E a quantidade de estudos que diziam uma coisa e logo depois eram refutados por outros estudos era desanimadora e me fazia desconfiar demais da dita "ciência" por ser tão contraditória. Por isso comecei a estudar um pouco e percebi que na verdade o termo "estudos afirmam que" é muito relativa, pois não só não há apenas um tipo de estudo científico, como há uma certa gradação entre os realmente bons, capazes de responder perguntas e os mais fracos, que apenas levantam hipóteses, que depois serão testadas nos bons estudos, mas que não significam nada até então.

Aquele momento em que você se dá conta da trouxisse
Quando comecei a compreender a complexidade da coisa percebi que muitas revistas de saúde que eu consumia (e assinava!) traziam em suas matérias 95% de estudos muito ruins que não eram capazes de afirmar o que elas afirmavam e me senti uma otária, no real sentido da palavra. E fui percebendo o quanto era fácil ser enganada ou induzida quando não se tem este tipo de conhecimento. E que, diga-se de passagem, estudar o tema é algo raro e não tão simples. 

Então, depois dessa última pataquada de Harvard (e amigos, não se enganem com o nome de peso, a universidade famosinha é bem conhecida no meio científico por expôr meias verdades), eu vi muitas pessoas perdidas em meio a tanta (des)informação. Por isso quero hoje, rapidamente (e perdoem de antemão o texto mais longo), explicar da maneira mais didática que conseguir, os diferentes níveis de estudos científicos. De forma bem básica e simples, apenas para vocês terem noção e pelo menos pensarem duas vezes antes de ceder a qualquer coisa que diga que "estudos comprovam que" - insira aqui o que desejar. 

Bom, para facilitar o máximo, vou elencar os diferentes tipos de estudos do pior / mais fraco / duvidoso / que você deveria pensar mil vezes antes de acreditar para aqueles que realmente são bons e podem trazer respostas de verdade. 

As tais referências científicas

sete tipos de referências científicas que são comumente utilizadas para embasar posicionamentos dentro da ciência propriamente dita. E por isso você já sabe que quando alguém disser que Fulano de Tal fez a afirmação tal e encheu sua fala de referências científicas isso pode não significar absolutamente nada. Mas vamos lá.

7 - Opinião de especialista / Estudos in vitro - São o nível mais baixo de evidência científica. Os estudos in vitro nada mais são que a observação de uma experiência fora de um organismo vivo, ou seja: no microscópio. Você vê ali algumas reações químicas e isso super ajuda a levantar uma hipótese ou outra, mas para ser usada como resposta para qualquer coisa é inútil, pois precisa de um longo e calculado período de testes para ser comprovado de verdade. A opinião de um especialista é apenas o que é: aquilo que o sujeito acredita ser o ideal. E aí precisamos nos blindar da tal "falácia da autoridade" que é quando algum profissional quer impôr sua opinião apenas por ter um título acadêmico, e calar quem pensa o contrário dele e não tem o tal do título. Alguns utilizam referências científicas para embasar suas falas, mas como já vimos elas são muito fáceis de serem burladas e mais ainda de serem utilizadas para simplesmente enrolar as pessoas. 

6 - Relatos de caso - Os relatos de caso também são um nível baixíssimo de evidência / referência científica pois nada mais são que situações narradas pela ótica de quem as observou. Não há interferências além da observação, há apenas o relato daquilo que se viu, se percebeu. E, como tudo o que é relatado por alguém, sempre há a interferência das inclinações do observador, de suas próprias opiniões e crenças ou seja: altamente instável. Além do mais os relatos de caso observam indivíduos de forma individual ou em grupos muito pequenos, o que jamais traria conclusões para algo que valha para toda uma população.

5 - Experimentos em modelos animais - Os modelos animais - principalmente roedores - são muito utilizados no meio científico. Porém, os resultados obtidos nestes testes servem apenas para explicar o que acontece com... animais. Apesar de existir alguma semelhança, o organismo deles ainda é essencialmente diferente do humano, portanto eles ajudam a levantar hipóteses, mas jamais poderão dizer que seus resultados servem também para pessoas. O teste em humanos é imprescindível para qualquer tipo de conclusão.

4 - Estudos de caso controle - Aqui o nível de evidência já começa a melhorar um pouco, pois trazemos a experimentação e observação para os seres humanos. São os famosos estudos observacionais epidemiológicos e são os que mais vemos sendo utilizados para espalhar meias verdades na área da saúde, principalmente. Eles são feitos da seguinte forma: um pesquisador separa um grupo de pessoas com uma doença X e compara com outro grupo de pessoas sem esta doença. Esta comparação pode ser mais ou menos superficial. É um estudo muito bom para levantar hipóteses com mais consistência, mas não podem jamais indicar causa e efeito! O Doutor Souto dá um exemplo incrível que ajuda a entender melhor: 

Um exemplo conhecido (verdadeiro?) de correlação foi observado na Austrália, entre o consumo de sorvetes e o ataque por tubarões. Quanto maior o consumo de sorvetes, maior o número de ataques. Esta correlação é estatisticamente significativa. Você acredita que o consumo de sorvete CAUSA os ataques? É, eu também não. E o estudo está errado? Não. O que acontece é que estudos epidemiológicos podem ignorar variáveis de confusão. No caso, a variável oculta é o calor. Quanto mais quente, mais sorvetes, e mais banhos de mar. O sorvete é apenas um marcador de calor, e o calor causa a ida ao mar, que causa um aumento no número de ataques.

Em resumo: estes estudos ajudam a leventar hipóteses, mas possuem tantas brechas que são os mais utilizados pela indústria alimentícia e farmacológica para emplacar suplementos, produtos, e medicamentos, além de alimentos diversos, pois são muito facilmente manipulados para atender àquilo que o grupo que solicitou a pesquisa deseja. Ou seja: você pode muito bem encomendar um estudo que vai "comprovar" algo que você deseja, desde que escolha o grupo certo de pessoas, utilize uma instituição mais ou menos respeitável, financie este estudo e solicite que ele penda para o seu lado. Sacou?


3 - Estudos de Coorte - Este tipo de estudo já é bem mais estruturado que o anterior. Ele faz o acompanhamento de uma população (através de questionários, exames) por vários anos a fim de identificar fatores de risco. Estes estudos podem ser prospectivos (quando são feitos no decorrer do tempo normal, com acompanhamento em "tempo real") ou retrospectivos (quando se analisa os anos anteriores deste grupo). Neste tipo de estudo já é possível analisar como certos comportamentos influenciam de uma forma ou de outra a saúde deste grupo, causando doenças ou não. Mas este ainda é um tipo de estudo muito utilizado pela indústria farmacêutica que se baseia nas brechas para prescrever novas drogas e afins.

2 - Ensaios clínicos randomizados - estes estão entre os melhores tipos de estudo, que são controladíssimos e muito metódicos e podem sim relacionar causa e efeito (gordura saturada NÃO faz mal à saúde, por exemplo). Neste tipo de estudo é feito um sorteio (randomização) entre pessoas que formam dois ou mais grupos. Um destes grupo sofrerá intervenções / experimentações para observar as reações e resultados e outro grupo será apenas observado ser sofrer intervenções (grupo controle). 

1 - Revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados e as meta-análises - estes são os melhores estudos para se referenciar! O créme de la créme. E porquê eles são os melhores? Simplesmente porque cada um deles analisa centenas de outros estudos de alto nível (como os ensaios clínico randomizados acima) sobre um mesmo tema  checando os dados e então sim, chega a conclusões de verdade. É feito um estudo muito minucioso, dedicado e sério e os crivos são bem firmes, portanto são os mais confiáveis.

Se você leu com atenção até aqui já percebeu que algumas revistas de saúde são verdadeiro dinheiro jogado no lixo. Inclusive tenho alguns exemplares restantes de minha última assinatura que já foi paga e por isso ainda recebo, fechadinhas em suas embalagens. São inúteis de verdade. Mas o bacana disso é que já vejo notícias tendenciosas como esta do óleo de coco sem tanto alarde, sei buscar boas fontes de informação, e por isso tenho mais segurança naquilo em que acredito.

Infelizmente para terem um bom conceito as universidades sofrem uma grande pressão para produzir mais e mais estudos e por conta da necessidade de quantidade, acabam sendo publicados centenas de milhares de estudos muito ruins na verdade. O índice de bons estudos é baixíssimo e leva muito tempo para serem concluídos - e, claro, muito dinheiro. Num país como o Brasil então, onde o investimento em educação e ciência é baixíssimo e a população ainda acha o cúmulo pessoas receberem bolsas de estudo para produção de conhecimento, a situação é ainda pior. Mas isso é assunto para outro dia.

E então, conseguiu entender um pouquinho? O post te ajudou?

Referências: utilizei como referência para este post um artigo da nutricionista Lara Nesteruk sobre evidências científicas e dois do Doutor José Carlos Souto, médico, um falando sobre o que seria uma referência bibliográfica aceitável, e outro abordando os estudos peer review. Há muito mais referências, mas fiquei nestas duas que ampliam o que falei aqui em uma linguagem bem tranquila.

Beijão!

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